terça-feira, 11 de maio de 2010

CARTA ABERTA DAS CEBs DA ARQUIDIOCESE DE FORTALEZA
AOS BISPOS REUNIDOS NA 48ª ASSEMBLÉIA DA CNBB


Caros Pastores da Igreja, queridos Irmãos em Cristo:
Que a Paz do Ressuscitado esteja com vocês!

Hoje à noite estamos contentes: Encontramo-nos reunid@s aqui, aos pés de Nossa Senhora das Dores, em vigília e oração para vivenciar o nosso espírito de comunhão eclesial e senso agudo de co-responsabilidade batismal pelo destino da Igreja de Cristo, neste momento tão delicado de sua caminhada. Ficamos alegres ao saber que as Comunidades Eclesiais de Base ocupam, novamente, um lugar de destaque na pauta da Assembléia da CNBB. Estamos bem informad@s, através da nossa companheira Ana Maria que esteve com vocês, há poucos dias, e que neste momento se encontra conosco, sobre o andamento das reflexões no meio de vocês. Estejam certos, portanto, de que muitas intenções benévolas e preces fervorosas em favor dos nossos pastores e de sua Assembléia se elevarão ao Céu durante esta noite... Aguardamos, com fé e esperança, boas notícias de Brasília – que Deus o permita!
Temos registrado com satisfação, desde o documento final de Aparecida, que o testemunho mais qualitativo de uma partilha real de vida, de um engajamento profético por um mundo justo e de uma compreensão do sentido libertador e histórico da Palavra de Deus e da Liturgia, como é vivido em muitas das nossas comunidades de periferia, está encontrando apreço no meio do episcopado. Permitam-nos partilhar com vocês, fraternalmente, alguns desafios e clamores que ecoam, nestes dias, no “grande coração coletivo” das CEBs e das Pastorais Sociais da Arquidiocese de Fortaleza. Oxalá encontremos os ouvidos dos nossos pastores inclinados para nós...!
1. “A natureza grita – o que faço eu? A natureza chora – que fazemos nós?” Lamentamos, estes dias, a perda de mais um irmão, militante da causa ambientalista e agente comunitário da diocese de Limoeiro do Norte, em nosso Ceará: José Maria, executado brutalmente a mando de poderosos interesses do hidro-/agronegócio, acabou prolongando a lista dos mártires pelo Reino de Deus nesta terra. Nós que sofremos, nas periferias urbanas, os efeitos da degradação do meio-ambiente e da especulação imobiliária “em primeira mão” estamos decidid@s a atender ao grito que vem da Amazônia que nos alcançou através da Campanha da Fraternidade de 2009 e no 12º Intereclesial de CEB, em Porto Velho, e que ecoou no Ceará. Temos a compreensão de que a luta pela preservação da natureza é, hoje, parte irrenunciável da colaboração salvífica dos cristãos em meio à humanidade. Precisamos reativar certa corrente “franciscana” da Tradição Eclesial que pode nos inspirar mais amor e cuidado pelo mundo de Deus e suas criaturas. Observamos, no entanto, que tal desafio ainda está longe de fazer parte das prioridades pastorais em nossas dioceses: Assistimos desconcertad@s a práticas litúrgicas e devocionais ou inteiramente desligadas dos problemas do mundo atual ou interessadas somente em salvação “pessoal”. Não seria também por esta dicotomia entre o “sagrado” e o “profano”, vivida e pregada por muitos, que cristãos engajados como o nosso José Maria se encontram isolados e expostos? Que diretrizes ou exortações podemos esperar de vocês bispos para reforçar uma espiritualidade encarnada que ligue, definitivamente, fé e vida? Quando as esperanças e as angústias do mundo de hoje serão, realmente, as esperanças e as angústias d@s discípul@s de Cristo (GS 1)?
2. “É por causa do meu povo machucado que acredito em religião libertadora”: Consideramos justo e legítimo serem-nos pedidos sinais claros de “eclesialidade”, tanto em termos de comunhão com os respectivos bispos-pastores e com os projetos de pastoral diocesanos, quanto em termos de convivência pacífica com movimentos eclesiais que enfatizam outros carismas. Assumimos que as CEBs são as “células iniciais do grande organismo eclesial” (Documentos da CNBB 25, nº 79) e sabemos que isto “acarreta especiais exigências de comunhão e co-responsabilidade eclesial”. Mas, o próprio documento episcopal de 1982 acrescenta: “Isso não suprime a justa autonomia das CEBs no desenvolvimento de sua vida e missão própria” (nº80). É neste ponto que sentimo-nos em dúvida: Embora apreciemos o crédito que nos dá o Documento de Aparecida quando afirma que as CEBs “podem contribuir para revitalizar as paróquias, fazendo delas uma comunidade de comunidades” (nº 179), somos forçados a reconhecer que o eclesiocentrismo total que transparece, hoje, na agenda da maioria das nossas paróquias representa um sério obstáculo para que isso aconteça. Como podemos nós ainda ser fiéis às prioridades pastorais que emergem do lugar social onde vivemos e atuamos, quando as pastorais incentivadas pela igreja-matriz são – quase que unicamente – as litúrgico-sacramentais e, naturalmente, a do Dízimo? Como podemos preservar, em meio a movimentos eclesiais que praticam e propagandeiam interpretações bíblicas alienantes e fatalistas, o nosso “jeito” de interpretar a vida através da Bíblia e a Bíblia através da vida, em “mutirão” e em intenção libertadora? Até no nível da escolha dos cantos litúrgicos enfrentamos hoje, em muitas paróquias, uma incompatibilidade de mentalidades que compromete, seriamente, a concentração durante a celebração eucarística... Como é que se pode “comungar” com o que está aí, hoje, nas igrejas-matrizes sem perder a identidade e a missão próprias das CEBs? – Esperamos ser orientad@s.
3. “Pra nós, Igreja precisa de governo, mas com participação! Desde o início, diálogo fraterno foi sinal de comunhão!” Tomamos a liberdade de transcrever uma citação do nosso querido Dom Aloísio Lorscheider, homem de tantos méritos na história da CNBB, para lhes falar de um outro problema sentido por muitos agentes de pastoral: o estilo autoritário de um grande número dos novos sacerdotes. Escreve o cardeal: “Para mim, o ponto-chave é: escutar mais e falar menos! Prestar mais atenção à voz do povo! O povo tem uma sabedoria que nos falta: a que brota da vida (...). Somos acostumados demais ao papel do bispo como mestre da doutrina à frente do seu rebanho, aquele que apita, e todas as ‘ovelhas’ vêm correndo” (Mantenham as Lâmpadas Acesas, p.159). Percebemos com apreensão quantos presbíteros recém-ordenados demonstram inclinação a um centralismo ríspido, a um estilo de vida pomposo e a um moralismo acentuado que – diante da exposição cada vez maior das fraquezas humanas em meio ao clero – chega a beirar a hipocrisia . Onde foram parar a simplicidade e a modéstia, no traje e no falar, de tantos padres mais antigos? Onde foram parar a alegria do vigário de se misturar com o povo, a sua paciência de se sentar nas assembléias populares, a sua benevolência e magnanimidade? Vemos hoje, saindo dos seminários, candidatos ao sacerdócio prepotentes que, não raras vezes, compensam sua insegurança e inexperiência através de poses autoritárias, apoiando-se formalmente no Direito Canônico, e através da ostentação de símbolos de status social. Parece prevalecer, hoje, uma compreensão jurídica do ministério ordenado e da natureza da Igreja sobre uma visão mais espiritual e pastoral. Por certo, existem também exemplos contrários que muito honram o presbitério. Mas, há uma clara tendência para um dirigismo clerical maior. Muitas de nossas comunidades sentem-se órfãs quanto ao atendimento pastoral: parece que as vocações sacerdotais para uma inserção no meio social pobre cessaram. Dirigimos, esta noite, nossas preces ao Bom Deus para que providencie novos “operários” para esta “messe” entre os mais pobres e desvalidos... Mas, o que podem nos dizer vocês pastores? Que palavra de alento guardam para nós?
4. “...e como podem crer se não há quem os ensine?” Permitam-nos expressar uma última perplexidade: O que está acontecendo, realmente, na formação cristã, sobretudo na que prepara para os sacramentos de iniciação? Consideramos valiosas as diretrizes que, em tempos recentes, a CNBB tem oferecido à Catequese de Iniciação, mas não podemos deixar de notar que, via de regra, @s catequizand@s se preparam para a recepção de (mais) um sacramento, em meio a uma linda cerimônia, seguida por uma festa ainda mais linda – tudo, menos para o seguimento do exemplo de Jesus, ao longo se sua vida! Que qualidade cristã possui tal “iniciação”? Será que o simples número dos que procuram o Batismo, a Eucaristia e a Reconciliação vale mais, para párocos e pastores, do que a apreensão e aplicação prática do sentido real destes sacramentos, na vida dos fiéis? Recordamos, neste tocante, um dos nossos hinos eucarísticos: “Só tem lugar nesta mesa pra quem ama e pede perdão... Só comunga nesta ceia quem comunga na vida do irmão”. É esta a catequese nas CEBs: Não se pode promover, nos templos, uma maior reverência ao Cristo Eucarístico se, simultaneamente, não aumentam a reverência e os cuidados para com o Cristo na pessoa do pobre injustiçado! Clamamos a vocês: Cuidem da formação cristã, para que ela não caia no vazio, na irrelevância social!
É a co-responsabilidade batismal pelo bem-estar da Igreja que nos impõe, neste momento, a franqueza com que ousamos verbalizar nossas preocupações. Reiteramos nossa gratidão por tantas manifestações de apoio e solidariedade recebidas, da parte de muitos bispos, durante e depois do último Intereclesial e torcemos por uma relação estreita, fraterna e frutífera entre as CEBs e a CNBB.

Para quem não sabe: A Carta foi discutida e aprimorada durante a 2ª Vigília das CEBs que ocorreu no final de semana passado, na paróquia N. Sra. das Dores (Otávio Bonfim) e que contou no momento de pique (23:00 h) com mais de 200 participantes.
Agradecemos a todos que tornaram aquele momento especial e inesquecível para nós.

Informações repassadas por Carlos Tursi, atrvés de email