TEÓLOGO - PERSONA NON GRATA?
A “maré” eclesial, definitivamente, não está para teólogos – está mais para animadores de plateias, curandeiros, exorcistas, padres cantores e oradores em línguas. “Neste momento estamos, teologicamente, como que parados, passando por uma espécie de desânimo. Os nossos teólogos demonstram um pouco de medo” – palavras de Dom Aloísio Lorscheider (em: “Mantenham as lâmpadas acesas!”, Ed.UFC 2008, p.90). Ao recuo da razão teológica corresponde, no atual cenário eclesial, o avanço pujante de uma espiritualidade sentimentalista, devocional e intimista que se afasta de tudo que cheira a “crítica” como o “cão” se afasta da cruz(...) De fato, o esforço teológico por uma compreensão mais profunda e madura dos dados da fé revelada há de se desdobrar – inevitavelmente e desde os tempos remotos dos “santos padres” – em exercício da “crítica”, no sentido positivo de apontar contradições no pensar e incoerências no agir dos cristãos e tentar eliminá-las. Durante os últimos 100 anos de história da Igreja, a atitude do Magistério Eclesiástico para com a crítica teológica tem oscilado bastante: de um certo incentivo a novas investigações bíblico-teológicas sob o papa Leão XIII às duras condenações sob Pio X, de uma nova abertura durante o pontificado de Pio XI à onda de cassações com Pio XII, da reabilitação de muitos teólogos cassados por João XXIII e Paulo VI aos “silêncios obsequiosos” impostos na era de João Paulo II e do então cardeal Ratzinger. O atual “inverno da teologia” é, indubitavelmente, fruto das duras intervenções que a Cúria Romana tem perpetrado, ao longo das últimas duas décadas, em muitos institutos de formação teológica da América Latina, chegando a ordenar o fechamento de alguns deles, como foi o caso do ITER (1989), no Recife, a “menina dos olhos” de Dom Hélder Camara. Quem o afirma – e lamenta – é, mais uma vez, o cardeal Lorscheider: “A própria teologia aqui na América Latina, ao invés de ser favorecida, foi um tanto calada. Por isso, hoje em dia, ninguém mais tem coragem de falar”. E arremata: “Esse medo faz mal. O Magistério não devia incutir esse medo!” (2008, p.91).
O porque desta hostilização da teologia? É que a leitura histórico-crítica da Sagrada Escritura e da História Eclesiástica teria trazido mais danos do que benefícios ao “povo de Deus”, semeando questionamentos e dúvidas em meio aos fiéis, provocando até crise de fé em não poucos. Reclamava, em 1990, o cardeal Ratzinger na “Instrução sobre a Vocação Eclesial do Teólogo”: “O teólogo, não esquecendo jamais que também ele é membro do povo de Deus, deve nutrir-lhe respeito, e esforçar-se por dispensar-lhe um ensinamento que não venha a lesar, de modo algum, a doutrina da fé” (nº11). A crítica teológica não teria sabido contentar-se com os campos da interpretação bíblica e histórica – teria “avançado o sinal” e começado a questionar as próprias definições, consagradas há séculos, da Teologia Dogmática, bem como a estrutura hierárquica da própria Igreja. Desconcertados e, talvez, até decepcionados com o intelectualismo e criticismo dos teólogos, muitos católicos a eles teriam dado as costas e se lançado em grupos de oração, seminários do Espírito Santo e procissões devocionais onde – supostamente – alimentariam melhor a sua espiritualidade, pensando menos e sentindo mais. Que o abandono da razão teológica, contudo, não pode ser uma saída aceitável provou, justamente, uma encíclica do papa João Paulo II, intitulada “Fides et ratio”, que insiste em uma necessária articulação e interdependência entre fé e razão...
Carlo Tursi, teólogo e membro de “O GRUPO”