terça-feira, 20 de setembro de 2011

DESCONSTRUIR PARA REDEFINIR A FÉ CRISTÃ

Precisamos desconstruir a nossa fé cristã, repensar determinadas convicções e verdades absolutas - quase dogmáticas para nós mesmos - para redefini-la de maneira menos superficial e ingênua. Essa desconstrução passa necessariamente pela transição do senso comum para o senso crítico, de uma visão míope e limitada para um olhar mais abrangente e fidedigno ao projeto libertador de Jesus Cristo. Como é grande e assombroso o distanciamento entre o Jesus histórico e o Jesus por nós idealizado! E o que dizer do "divórcio" entre fé e vida, tantas vezes denunciado e nunca superado?!(...)


A autêntica espiritualidade cristã é sempre "atrevida e perigosa” ao sistema vigente, porque busca resgatar as mesmas atitudes e opções de Jesus, assumindo a sua prática. Ele, no contexto situacional da sua época, incomodou, denunciou e perturbou os que queriam manter a "status quo". Foi e continua sendo “sinal de contradição”. A verdade é que estamos muito mais preocupados hoje em dia com a nosso bem-estar e o nosso sucesso pessoal do que com as realidades gritantes de injustiça e exclusão que atormentam a nossa comunidade.

A Igreja precisa ser porta-voz dos que não têm voz na sociedade, questionando o sistema político e econômico atual. O sociólogo e filósofo Pierre Bourdieu denunciou certa vez: “A Igreja contribui para a manutenção da ordem política, ou melhor, para o reforço simbólico das divisões desta ordem, pela consecução da sua função específica, qual seja a de contribuir para a manutenção da ordem simbólica: pela imposição e inculcação dos esquemas de percepção, pensamento e ação objetivamente conferidos às estruturas políticas e, por esta razão, tendentes a conferira tais estruturas a legitimação suprema que é a “naturalização”, capaz de instaurar e restaurar o consenso acerca da ordem do mundo mediante a imposição e a inculcação de pensamentos comuns, bem como pela afirmação ou reafirmação solene de tal consenso por ocasião da festa ou da cerimônia religiosa, que constitui a ação simbólica dos símbolos religiosos com vistas a reforça sua eficácia simbólica reforçando a crença coletiva em sua eficácia; ao lançar mão da autoridade propriamente religiosa de que dispõe a fim de combater, no terreno propriamente simbólico, as tentativas proféticas ou heréticas de subversão da ordem simbólica”.

Diante de tudo isso temos que saber que espiritualidade não pode ser entendida restritamente como sinônimo de “repouso” e “sossego”, como ausência de uma realidade conflitante e turbulenta, mas que tem a ver com inquietação e inserção social. A nossa intimidade com Deus, as nossas orações e momentos de espiritualidade devem nos impulsionar para a missão, para o testemunho na sociedade e principalmente para o encontro com aqueles que são esquecidos por todos: os pobres e marginalizados. Thiago Valentim, CPT/CE, recentemente publicou um artigo intitulado: "E agora, o que é que eu faço?" onde ele ressalta o incômodo dos pobres nas ricas igrejas. Ele denuncia: "Os preferidos de Deus são impedidos de permanecer na casa que nós propalamos que é de Deus. Esquecemos que foi o próprio Jesus Cristo que disse: 'Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que o fizestes a um destes mais pequeninos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes' (Mt 25, 40).

Muitas de nossas paróquias seguem a lógica do capitalismo e, aqueles que deveriam ocupar os primeiros lugares, são marginalizados, porque não tem dinheiro, não se vestem bem, não ocupam altos cargos e não podem dar uma oferta 'gorda' nas missas. A cegueira toma de conta e muitos não conseguem enxergar Jesus nestes homens e mulheres, deixando passar uma ótima oportunidade para fazer justiça aos injustiçados deste mundo e construir o Reino de Deus".

Não podemos generalizar, o que seria também grave injustiça. Mas, infelizmente, tal prática existe em alguns templos, não só católicos, mas também de outras denominações. É lamentável pensar que estamos caminhando na contramão das bem-aventuranças ensinadas por Jesus, onde os pobres são vistos e amados preferencialmente.

Desconstruamos algumas de nossas antigas verdades, mumificadas e obsoletas, e aprendamos com Jesus, profeta e Messias dos pequenos, a viver um autêntico cristianismo.

Por César Augusto Rocha - coordenador do Conselho Diocesano de Leigos