terça-feira, 30 de agosto de 2011

E AGORA, O QUE É QUE EU FAÇO?

O incômodo dos pobres nas ricas Igrejas

Estando recente em Brasília por alguns dias, visitando conterrâneos e parentes antes de participar de uma oficina de trabalho, fui convidado por um amigo a participar de uma missa numa Igreja próxima à sua casa. Aceitei o convite e, ao chegar no tempo religioso, percebi que era uma Igreja frequentada somente pela elite de Brasília. Inclusive, encontrei por lá autoridades políticas nacionais, cuja trajetória pública conhecemos bem, cheia de ambiguidades, parecendo os cristãos mais devotos da face da Terra.
Bom, pela estrutura física do templo e pela assembléia, percebi logo que participaria de uma celebração litúrgica monótona, ritualista, totalmente desprovida de animação, de inculturação, como estou acostumado a vivenciar em nossas comunidades no Ceará.
Gostaria, no entanto, de destacar algumas situações que assisti nesta “solene celebração”. Enquanto o padre dirigia à assembleia sua homilia, entrou na Igreja um homem, visivelmente pobre e bêbado e dirigiu-se para perto do altar, parando ao lado do primeiro banco. O leitor já pode imaginar como ficaram os participantes daquela celebração, de olhares repreensivos e, ao mesmo tempo, curiosos para saber o que faria aquele pobre homem. Os cochichos imediatamente ecoaram pela Igreja.
O padre, vendo aquele homem ali parado sob os olhares de todos, até que ainda convidou-o a  entar-se. Era o mínimo que poderia fazer. Porém, como o homem não sentou, dirigiu à assembléia a pergunta mais absurda que um sacerdote poderia fazer durante uma celebração eucarística, ao confrontar-se com uma situação daquelas: “E agora, o que é que eu faço?” O padre não sabia o que fazer com aquele homem ali parado, um pobre, bêbado, que passara por ali com certeza para pedir esmolas, pois não morava naquele bairro, que era de classe alta. O padre silenciou e, após alguns instantes, o homem sentou-se numa vaga que havia no primeiro banco. Aquele senhor, que já aparentava ter mais de 50 anos, não cometeu erro nenhum dentro da Igreja, apenas passou pelo corredor central e sentou-se no primeiro banco.
Porém, o homem era pobre e aquela Igreja não estava acostuma a receber pobres em suas missas. Por isso, apenas a presença dele no meio daquela assembléia de elite já foi um grande incômodo, principalmente para o padre, que não sabia o que fazer com ele. Um jovem, que parecia ser funcionário da paróquia, mas não tenho certeza, dirigiu-se ao senhor e tentou tirá-lo da Igreja. O homem resistiu e o jovem saiu. Não satisfeito, o jovem retornou após alguns minutos e o convenceu, não sei com que palavras, a sair da Igreja. As faces dos presentes voltaram à tranquilidade.
Este fato parece simples, mas questiona por inteiro o nosso seguimento a Jesus. Os preferidos de Deus são impedidos de permanecer na casa que nós propalamos que é de Deus. Esquecemos que foi o próprio Jesus Cristo que disse: “Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que o fizestes a um destes mais pequeninos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25, 40).
Muitas de nossas paróquias seguem a lógica do capitalismo e, aqueles que deveriam ocupar os primeiros lugares, são marginalizados, porque não tem dinheiro, não se vestem bem, não ocupam altos cargos e não podem dar uma oferta “gorda” nas missas. A cegueira toma de conta e muitos não conseguem enxergar Jesus nestes homens e mulheres, deixando passar uma ótima oportunidade para fazer justiça aos injustiçados deste mundo e construir o Reino de Deus.
Parece-me que estamos cada vez mais distante do projeto de vida e libertação pregado por Jesus de Nazaré. As nossas atitudes diante dos pobres comprovam esta distância e a nossa falta de compromisso. Quando muito, assumimos uma atitude assistencialista diante dos pequenos, dando-lhes esmolas vergonhosas quando nos pedem, quando batem em nossas casas paroquiais ou se achegam em nossas Igrejas luxuosas. Gasta-se mais dinheiro em reformas, compra de vestes e objetos litúrgicos caríssimos do que com as obras de caridade e a luta pela justiça.
Aquele homem ocupou o lugar que lhe era de direito: o primeiro banco. Porém, foi retirado não para o último, mas para fora da Igreja. Perdemos as oportunidades de nos tornarmos os “benditos” dos quais Jesus fala em sua pregação (cf. 25, 34).
Ao final da celebração, fui falar com o padre e disse-lhe: “Você não me conhece e eu não te conheço, mas da próxima vez, não deixe que tirem um pobre da missa que estiveres celebrando”. O reverendíssimo sacerdote dirigiu-me, meio atônito com o comentário que eu fiz, outra pergunta absurda, como se não lembrasse da cena que se passou diante de seus vivos olhos a minutos antes: “Quem foi que tirou?” O rapaz, porém, não encontrei-o mais.
Consola-nos e alimenta a nossa rebeldia as Bem-Aventuranças do Reino (cf. Mt 5, 3-12), que proclamam felizes os pobres e excluídos de nossas Igrejas, desta sociedade.

29 de agosto de 2008

Por Thiago Valentim
CPT CE