quarta-feira, 17 de março de 2010


"As estatísticas demonstram que o índice de jovens negros assassinados no Brasil é muito alta, na proporção de três por um, em relação aos jovens brancos. Contudo, a imprensa dificilmente aborda este assunto"

Os meios de comunicação noticiaram nesta semana, em alguns de seus tele-jornais e na imprensa escrita, o assassinato do estudante de biomedicina Alcides do Nascimento Lins, de 22 anos, na madrugada do sábado (6) de fevereiro, em frente a sua residência. Alcides morava na zona Norte de Recife. Negro, filho de empregada doméstica, é um daqueles raros casos de jovens da sua condição social que consegue entrar em uma universidade pública, num dos cursos mais concorridos. A sua aprovação foi também noticiada pela imprensa.
Alguém poderia dizer que fora coincidência o mesmo jovem sobre quem a TV Globo noticiou, quando havia passado no vestibular, agora estar em rede nacional como vítima de um crime estúpido. Num país aonde a população afro-descendente chega a 50%, não deveria ser motivo de notícia nacional a entrada de um jovem negro no curso de biomedicina.
As estatísticas demonstram que o índice de jovens negros assassinados no Brasil é muito alta, na proporção de três por um, em relação aos jovens brancos. Contudo, a imprensa dificilmente aborda este assunto. A mortalidade de jovens negros pode ser compreendida como “normalidade”. Alcides morreu porque era um negro, pobre, filho de empregada doméstica, condição de muitos jovens afro-brasileiros. Morava em um bairro marcado pela violência, consumo e tráfico de drogas.
Sonhava com uma vida melhor. O curso universitário poderia ajudar a concretizar este sonho. Muitos jovens sonham todos os dias com a possibilidade de freqüentar uma universidade, realidade que vem mudando, favorecidas, pelo sistema de cotas. Alguns pensam que as cotas não sejam a melhor forma de ingressar na universidade. Afirmam que o estudante tem que entram por méritos próprios, o que, no Brasil, poder ser traduzido por “condições financeiras de pagar uma escola particular de boa qualidade ou um curso pré-vestibular”. Não compreendemos isto por mérito. Outros não querem perder a chance de continuar garantindo a Universidade pública apenas para os brancos e “bem nascidos”.
Porém, o que se pode constatar é que, mesmo cursando biomedicina por seu esforço, e de sua mãe, Alcides trazia na cor da pele a marca histórica da sua condição social. Morando num bairro pobre, de família humilde, como alguns outros raros casos, seu curso mudaria sua vida, mas não a visão preconceituosa de uma sociedade que se nega enxergar as vítimas do sistema escravocrata.
Esse caso reforça a idéia de que as cotas, mesmo não sendo o modelo ideal, constituem um instrumento para corrigir a deformação educacional no nosso país, quando pensamos a situação dos jovens afro-brasileiros. As últimas avaliações afirmam que os jovens que entraram nas universidades, via sistema de cotas, imprimiram uma qualificação significativa nos processos de ensino e contribuíram para dar aos Campi Universitários o rosto real do Brasil, ou seja, um rosto negro.
A comoção tomou conta dos colegas, professores e reitor da Universidade. Eles acompanharam de perto a luta daquele jovem, porém, é preciso que as universidades criem possibilidades do ingresso universitário aos milhões de jovens que estão às suas portas e que não conseguirão fazer parte desse grupo seleto, se essa abertura não ocorrer através de cotas ou outras formas de reparação da dívida do nosso país com os afro-descendentes.
Temos pela frente, dentre tantos desafios, a tarefa de gritar contra a violência que atinge a juventude, especialmente os jovens negros. Temos também a tarefa de lutar pelo acesso democrático ao Ensino Universitário público gratuito.

Pe Ivaldir Camaroti
Pe Ari Antônio dos Reis


FONTE: SIT DA CNBB